Vinhos de Altitude – Serra Catarinense

Sou uma entusiasta pela valorização do produto regional, quase tanto quanto do vinho.

Quando viajo – outra coisa que gosto bastante, procuro conhecer e prestigiar o que é feito no local. Se eu gosto do que experimento, além de uma boa lembrança fica o desejo de consumi-lo novamente.

Assim também o faço quando não viajo. Pois, porque seria diferente em relação ao local em que resido?

Desde que mudei residência para Santa Catarina, procuro descobrir ao máximo os sabores e cultura desta terra. Obviamente, incluí nisto os vinhos. Confesso que antes disto havia provado poucos vinhos daqui, mas tenho me dedicado a conhecê-los profundamente. Tanto que, este mês compartilho parte deste aprendizado no curso: Vinhos de Altitude da Serra Catarinense.

Aqui neste post, resumo um pouco das informações e dados que pesquisei. Porém, talvez o que segue pareça muito técnico e difícil de relacionar com o resultado final, o vinho. Para assimilar o conteúdo, fica a dica para associar a teoria com a prática – sempre prazerosa, e se possível, participar do curso que mencionei o qual acontece no dia 28 de junho, em Florianópolis. 

Vitivinicultura em Santa Catarina

Para entendermos as particularidades da região dos vinhos de altitude em Santa Catarina, é importante também conhecer as demais deste estado.

Mapa Cidades

Inicio mencionado que o cultivo de uvas em Santa Catarina tem histórico similar aos outros estados do sul do Brasil, sendo que a imigração italiana foi o grande impulsionador para isto – especialmente no Vale do Rio do Peixe e no Litoral Sul catarinense.

Conforme mencionado no artigo “Os Vinhos de Altitude e Seu Papel no Desenvolvimento do Enoturismo de São Joaquim”1, até o final da década de 90, o Rio Grande do Sul deteve praticamente exclusividade na elaboração e comercialização de vinhos finos no Brasil, com aproximadamente 95% da produção. Porém, a partir dos anos 2000 o setor vitivinícola brasileiro passou por mudanças, que promoveram melhorias na estrutura produtiva e na qualidade do vinho nacional. Toda essa mudança resultou numa transformação no cenário vitícola brasileiro, com o surgimento de novos polos para a elaboração de vinhos finos. A diversidade se tornou a marca da viticultura brasileira, são diferentes condições ambientais, variados sistemas de cultivo e recursos genéticos com ampla variabilidade. É neste contexto que a vitivinicultura catarinense tem se transformado e crescido qualitativamente nos últimos anos.

O estudo do BRDE denominado “Vitivinicultura em Santa Catarina – Situação atual e perspectivas”2 destaca que a produção de vinhos no estado pode ser dividida em três regiões, de acordo com suas características e a tradição da cultura:

Tradicional

Vale do Rio do Peixe (municípios de Videira, Tangará, Pinheiro Preto, Salto Veloso, Rio das Antas, Iomerê, Fraiburgo e Caçador), responsável por cerca de 80% da produção de uva e vinho no estado, na sua maioria de vinho simples, e o cultivo apresenta um perfil parecido com o da Serra Gaúcha. O clima é úmido com verões frescos.

Carbonífera (Urussanga, Pedras Grandes, Braço do Norte, Nova Veneza e Morro da Fumaça), cuja base histórica da produção são os vinhos coloniais. Há uma pequena fabricação de vinhos finos, que apresenta crescimento. Esta região distingue-se por apresentar a produção de uma uva característica, a Goethe, que é uma uva híbrida, com material genético de Vitis vinifera e Vitis labrusca, apresenta aroma e paladar de frutas e cuja tipicidade é um dos elementos que mais contribuem para a divulgação da bebida. Essa tipicidade rendeu à região o reconhecimento com Indicação de Procedência (IP) para os vinhos feitos com a variedade.

Nova

As cidades de Rodeio, Nova Trento e as que se localizam no Leste do estado, perto de Brusque, compõem a chamada nova região, onde há pouca quantidade de bebidas finas, sendo mais frequentes as comuns e coloniais.

Super Nova ou de Altitude

Compreende as cidades do planalto serrano, que está investindo apenas na produção de vinhos finos. A cultura nesses locais se desenvolve não em função da imigração italiana, mas baseada em resultados de pesquisas técnicas.

O município de São Joaquim se destaca nesta região por apresentar mais de 50% dos empreendimentos do setor vitícola das regiões de altitude, conforme menciona o texto aqui já referido1.

Alguns importantes aspectos culturais da região, mencionados em artigo sobre o turismo na região3, são que a região serrana de Santa Catarina foi colonizada por descendentes de portugueses e espanhóis vindos do Rio Grande do sul e de São Paulo, a partir dos anos de 1750, com o movimento dos tropeiros que levavam gado de Viamão e Santo Antônio da Patrulha no Rio Grande do Sul para as regiões de Sorocaba, Piracicaba e Araraquara em São Paulo.

O mesmo artigo ainda destaca que os municípios desta região tiveram sua economia fundamentada na pecuária, na agricultura e na extração da madeira.

O estudo “A Vitivinicultura de Altitude de Santa Catarina”observa que nesta região identifica-se a nova geração de vinhos e de empresários que simbolizam a revolução experimentada pela vitivinicultura catarinense, em busca de modernização para alcançar um novo patamar de mercado na virada para o século XXI.

Vinhos de Altitude

“Vinhos de Altitude” é uma marca coletiva de vinícolas catarinenses e foi obtida em 2013 junto ao INPI, conforme menciona o texto do site da Embrapa “Indicações Geográficas de Vinhos do Brasil”5, onde também é mencionado que em 2017 iniciou o projeto de estruturação da Indicação de Procedência para os vinhos finos de altitude de Santa Catarina.

Santa Catarina Geografia

Fonte: http://sanderlei.com.br

Considerando as dezenove vinícolas que constam atualmente informadas no site que representa a marca coletiva, observa-se que na Rota dos Vinhos de Altitude estão considerados duas regiões de Santa Catarina: Vale do Contestado e Serra, onde o destaque está no diferencial da alta altitude e o clima frio permite que as variedades de uva amadureçam de forma lenta e completa.

O site do Ibravin6 apresenta a identidade dos Vinhos de Altitude como de clima temperado (estações do ano bem definidas com verões quentes e invernos frios) e úmido (em média 1600 mm/ano), moldada pela altitude, na zona produtiva mais alta do país, entre 900 e 1,4 mil metros acima do nível do mar.

Mas, qual a altura ideal para um vinhedo de altitude?
Esta é uma análise que deve considerar vários fatores, dentre eles a geolocalização do vinhedo. Como mencionado no artigo7 de Ted Rieger para a revista Vineyard & Winery Management, em uma síntese do simpósio de vitivinicultura de altitude: The Elevation of Wine – ocorrido nos Estados Unidos em 2007: a elevação não traz sozinha as características associadas à altitude, pois outros fatores também são relevantes, tais como latitude, relevo, distância da costa e outros fatores da topografia e clima local.

Vários países utilizam a altitude a favor dos vinhedos, como por exemplo, a Argentina. Fica fácil entender o porquê desta escolha quando se compreende que diferença faz a elevação do terreno no cultivo das uvas. O site Wine Anorak traz em seu artigo ‘A Question of Altitude’8 menciona duas das mais importantes:

a) A temperatura é mais fria, em uma média de cerca de 0,6 ºC por 100 metros, e durante os importantes meses de amadurecimento pode ter uma diferença de 1ºC;

b) A amplitude de temperatura (diferença de temperatura dia/noite) aumenta.

Neste mesmo artigo ele entrevista o enólogo argentino Manuel Louzada, que explica o significado disso. “Durante o dia, a planta produz, via fotossíntese, carboidratos que são levados para os órgãos de reserva, como as bagas. Durante toda a noite, a respiração ocorre sem fotossíntese, consumindo alguns dos carboidratos e outros compostos orgânicos. Quanto menor a temperatura noturna e, portanto, quanto maior a amplitude térmica, menor a quantidade desses componentes consumidos durante a respiração, resultando em maior intensidade da expressão da uva devido a uma maior riqueza na baga desses componentes, que afetam a cor, o aroma e estrutura do palato.”

Em seu texto7, Ted Rieger complementa esta ideia mencionando que em vinhedos de altitude pode haver elevação dos taninos, porém com estrutura mais aveludada. Isto se dá pela natural elevação de raios UV e da intensidade da luz, e a diminuição de componentes atmosféricos como oxigênio e dióxido de carbono.

Esta característica é corroborada em outro artigo já mencioando4  onde há importantes esclarecimentos sobre as particularidades da altitude e como seu clima pode contribuir no cultivo da vinha na região foco de meu estudo.  O texto destaca que a cada 100 metros acima do nível do mar, o ar perde 1% de seu carbono, o que representa dizer que no Planalto Catarinense há em média 10% a menos desse elemento na sua atmosfera, resultando num processo vegetativo mais lento.

A pressão atmosférica menor e a maior proximidade do sol têm ação sobre a evaporação nas folhas, que eliminam mais água do que o normal, concentrando os nutrientes que vêm do solo e formando a seiva rica de alimentação das bagas de uva.

Por fim, a temperatura baixa durante a noite faz com que a respiração das folhas seja menor, economizando carbono.

O efeito disto nas regiões de altitude de Santa Catarina é mencionado no artigo “Caracterização Agronômica e Edafoclimática dos Vinhedos de Elevada Altitude”9 o qual menciona que em função das baixas temperaturas, o ciclo vegetativo é mais longo, o que faz com que a colheita das variedades precoces (aquelas que tendem a amadurecer mais cedo, com a Chardonnay por exemplo) ocorra a partir da segunda quinzena de março e a colheita das variedades tardias (aquelas que demoram mais para amadurecer, com a Cabernet Sauvignon por exemplo) estenda-se pelo mês de abril, coincidindo com períodos de menor precipitação pluviométrica em comparação aos meses de verão e em comparação ao período de colheita em outras regiões tradicionais de produção de vinho no Brasil.

Este mesmo artigo destaca que os vinhedos estão em áreas aonde a pluviosidade anual chega a ser 240% superior aos valores considerados ótimos pela literatura especializada. A temperatura média anual varia entre 120C e 180C, porém destaca que tanto a amplitude térmica quanto as horas anuais de sol são consideradas suficientes para completar o ciclo de todas as variedades.

Entre os fatores que amenizam a alta pluviosidade estão a época de maiores chuvas na região, que não coincide com momentos cruciais do ciclo nas vinhas – quando há a escolhe correta da casta de cultivo, e também o relevo que além facilitar a drenagem o excesso de umidade também possibilita a circulação de correntes de ar, como pode ser observado na foto abaixo.

Abreu Garcia, Campo Belo do Sul

Outro dado importante que também mencionado é que estes vinhedos estão localizados em solos jovens, que apresentam predomínio das características herdadas do material geológico de origem. São solos pouco profundos, pedregosos e por serem pouco evoluídos, apresentam baixa fertilidade natural, necessitando análise prévia de fertilização e correção de acidez antes da implantação dos vinhedos.

Em outro texto sobre “Dicas da Viticultura na Prática”10 pode-se compreender um pouco mais do solo, considerando a formação Serra Geral (demonstrada na figura abaixo) -que é constituída por uma sequência espessa de rochas basálticas predominantemente básicas, formadas a partir de derramamento de lava vulcânica e que contém termos ácidos, mais abundantes na porção superior dos derrames.

Formação da Serra Geral no Sul do Brasil

Fonte: http://parquedaciencia.blogspot.com

Entre cada derramamento de lavas ácidas e básicas ocorreu a deposição de uma camada de areia, sendo que na época o clima era desértico. Essa formação geológica particular (basalto combinado com arenito) atribuiria às rochas uma fragilidade característica da disposição em camadas, resultando na conformação em patamares dos morros, mostrando-se favoráveis ao desenvolvimento da viticultura. Nessas condições encontra-se os melhores solos, com a disponibilidade de nutrientes equilibrada, principalmente os micro nutrientes essenciais a videira que foram dispostos pelo processo dos derrames basáltico.

Alguns dos riscos relacionados a vinhedos de altitude foram mencionados em resumo7 por Ted Rieger como: elevação do risco de geadas e outras intempéries como granizo, chuvas e ventos fortes. Ele também comenta que algumas dificuldades podem estar associadas a vinhedos nas alturas, como: erosão do solo, diferenças na composição do solo e variação da fertilidade destes, bem como a variação de maturação das uvas de acordo com a posição da altura no vinhedo.

Pelas características do Planalto Catarinense, entre os principais riscos nesta região está a ocorrência de granizo – que é prevenida com o uso de telas de proteção (como as que se observa nas fotos abaixo) na maioria das vinícolas que estão suscetíveis a incidência deste, e também a geada – a qual é uma intempérie muito mais difícil de lidar, e para qual ainda se busca soluções e métodos de prevenção efetivos em todo mundo.

Villa Francioni, , São Joaquim

Monte Agudo, São Joaquim

Santa Augusta, Videira

Thera, Bom Retiro

Se a alta altitude proporciona compensações à uma baixa latitude, como percebe-se, nem tudo é perfeito. Nestas regiões também há desafios, alguns até maiores do que em outras. Por isto, quando penso em vinhos de altitude, logo associo a vinhos de atitude.

Saúde!

Marcia Amaral

Agradecimentos:
Agradeço às equipes das vinícolas mencionadas e em especial seus enólogos por toda atenção e pela colaboração com informações.

Fontes de Consulta:
1 OS “VINHOS DE ALTITUDE” E SEU PAPEL NO DESENVOLVIMENTO DO ENOTURISMO DE SÃO JOAQUIM – SANTA CATARINA
http://www.ucs.br/etc/conferencias/index.php/IIsimposioinovacaoagronegocio/simposioinovacaoagronegocioucs/paper/viewFile/4595/1438

2VITIVINICULTURA EM SANTA CATARINA – Situação atual e perspectivas
http://www.brde.com.br/media/brde.com.br/doc/estudos_e_pub/Vitivinicultura%20em%20Santa%20Catarina.pdf

3A influência da Vinícola Villa Francioni na paisagem turística de São Joaquim
https://revistas.ufpr.br/turismo/article/view/38858/23695

4A VITIVINICULTURA DE ALTITUDE EM SANTA CATARINA (BRASIL): ESPAÇOS PRIVILEGIADOS PARA O TURISMO
https://revistas.ufpr.br/turismo/article/view/38857

5Indicações Geográficas de Vinhos do Brasil
https://www.embrapa.br/uva-e-vinho/indicacoes-geograficas-de-vinhos-do-brasil/ig-em-estruturacao/regiao-do-planalto-catarinense

6Regiões Produtoras
http://www.ibravin.org.br/Regioes-Produtoras

7Exploring High Altitude Viticulture
https://www.obsidianridge.com/assets/client/File/Management.pdf

8A Question of Altitude
http://www.wineanorak.com/Argentina/argentina1_altitude.htm

9Caracterização agronômica e edafoclimática dos vinhedos de elevada altitude
http://www.revistas.udesc.br/index.php/agroveterinaria/article/viewFile/223811711532016215/pdf_43

10VITICULTURA NA PRÁTICA – DICAS
http://tempusconsultoria.com/index.php/vinhedos

Todas as imagens foram obtidas nos sites das vinícolas mencionadas nestas.

2 comentários em “Vinhos de Altitude – Serra Catarinense

  1. Texto fantastico! Muitas informacoes interessantes e boas referencias para quem deseja explorar ainda mais sobre o assunto.

    Curtir

Deixe um comentário